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Os moinhos da serra estão gretados
o Nemésio não está e não há vento,
os ventos do suão estão triturados
pelo frio do inverno e pensamento.
no banco arredondado onde me sento,
de pedras revestido na portela,
há sombras do vestido e o rebento
duma flor numa lágrima dela.
e do valeiro ao fundo sobe fumo
que me lembra os avós , vou e costumo
recolher gravações, coisas inatas
embora tenha a serra em dois pedaços
nos pinheirais fendidos, dois regaços,
e as ideias loucas, abstratas.
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Fizemos uma Ilha do Tesouro
a correr pela areia e pelos rochedos,
nas arribas que o sol pintou com ouro
descobrimos mistérios e segredos.
Passaram os turistas...são piratas!
de canhões apontados ,com a boca
cheia de munições, e eram latas
caindo imaginadas frente á popa.
subimos ao convés e de corsários
espadeiramos tudo, golpes vários
em disputa bravissima, cruel,
só quando a mãe chamou, está na hora
e o sol desaparecia pelo mar fora,
eu dizia , acabou-se, Rafael !
Pois vem ideia sobre mim e conta,
conta-me coisas novas doutros ceus
que se rasguem para nós cortinas, veus,
á volta do saber que ora desponta.
vem mundo novo aonde se contenta
meu outro ser, o clone natural,
dois ou três mais particula sedenta
por descobrir pedra filosofal.
troca comigo aquilo que aprendi
dos livros do saber, que sempre li
procurando entender ,pela ciência
o mundo que ao meu lado, em paralelo,
pode ser o pior ou o mais belo
mas escancarado a toda a transparência.
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Querer redobra vontade que se quer
com força redobrada, a nave aumenta
o comprimento , nela cresce e tenta
ser uma obra e não uma qualquer.
a cada nó o sacrificio tenta
homens e vergas a dobrar-se assim
ao sítio a não chegar , será o fim
de todo o fim que há muito se experimenta ?
o leme abranda, o capitão perscruta,
o silêncio em redor preso na luta
da emoção que anima o pensamento,
quando um raio de luz da madrugada
acende o mar e a porta da chegada
se vê nitidamente a barlavento.
Do dezassete desço á praça Dante,
em passos ensaiados, só , pareço
estranho ser , pesado, navegante,
carregando na alma o meu tropeço.
na livraria onde entro , algo pressinto
no simples desfolhar dos meus papeis,
mas não é nada, tenho quase extinto
o fogo dos meus actos infieis.
no café que á esplanada me pendura,
a vida o que renova é a procura
que sempre foi,numa busca de rumo,
rumo por alcançar conhecimento,
num sitio de razão, de pensamento,
onde em bites de tempo me presumo.
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Uma vereda, um banco apodrecido,
o musgo, um tapete acomodado
ás pedras , que são chão e são tecido
onde percorro o corpo interrogado.
um ramo, inconsciente, é imperfeito
na sua simetria dilatada,
e eu sinto-me livre , mas sujeito
á alma muitas vezes algemada.
se no banco dormir,uma chalupa
me desperta nas sombras das ramagens
por sonhos que já tive em catadupa,
com duas velas, única maneira
de fazer transportar-me por viagens
deitado numa tábua de madeira.
Eu não encontro deus representado
nos dogmas das luzes e altares
por muito que procure é abandonado
que o abandono é voz desses lugares.
se me visse a ver deus, o que consigo,
é pela rua ao lado de aflitos
a resolver a fome , a dor ,o perigo
e não burocracia dos benditos.
que deus existe se não estiver em nós
uma parte da sua condição ?
ou seremos de si em solução
matéria com memória , uma experiência
de genes procurando eficiência
para aumentar a sua produção ?
Interrompi o coito em que me tinhas
preso na fé dos beijos que me davas
na boca com fervor quando te vinhas
afundar no meu peito e sossegavas.
tu eras um altar ,a divindade
de todos os meus caminhos percorridos,
juraria por ti toda a verdade
eras tu própria os meus cinco sentidos.
sem ter de acreditar no ser humano,
face ao fraco produto evolutivo,
em mim te retratei puro ser vivo,
espécie exemplar . foi puro engano,
em acto cego , irracional, furtivo
desfizeste o teu sonho sem motivo...
A nave surge , a rasgar terra e dentro,
o almirante á proa lha mapeia,
interrogando o espaço numa ideia,
a circunferência em torno do seu centro.
entre Deus e a Terra o universo
cintila pelo mar que se empertiga,
a mente cria , sulca, o corpo periga,
o homem teima , avança, nele imerso.
a vontade redobra, o medo ofusca,
o querer rema na esperança que se busca
no objecto, em meio já perfeito,
parece último feito o da razão,
abrindo as frias margens e então
ao leme ergue-se o braço e passa o estreito.
Uma pequena fonte, atapetado
por musgo e folhas num outono lento,
o banco tosco, aquele onde me sento
já me diz mais que eu próprio ali calado.
ouve-se água a cair e jorra pouca,
comparo-a comigo, mais experiente,
conhece o sentimento e muita gente
se debruça e lhe dá beijos na boca.
acoita-se na sombra da folhagem
nos últimos calores do mês de outubro,
artérias dum colchão laranja rubro
ali passo e repasso na coragem
que faz meu caminhar, onde pressinto
que ás vezes com verdade, também minto.
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