Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
A vereda é comprida, estreita fita
orlada de verdura, e quando passo
recordo que ali já fui abraço,
fui chegada e alvor que se exercita.
o arvoredo faz cortina, esconde
do mundo que há ao largo a solidão,
quem avança procura o que é em vão
o que em vão há-de vir e ir sem onde.
num extremo , castanho, sentinela,
no outro a vista a favor do mar ,
uma varanda que se pode olhar
e uma ermida tosca, sem janela,
lugar tão abrangente , tão seguro,
um banco a oeste e o meu corpo obscuro.
Uma vereda, escada ou um carreiro,
o musgo do natal amontoado
em abismos de pedra ou num terreiro
aberto ao sol que espreita amedrontado.
selva da ramaria onde se estreita
o caminho da reza na verdura
que já foi o silêncio que ainda espreita
os nossos passos lentos pela clausura.
na floresta que se alonga, inteiro
percorro a natureza que é também
um pedaço dum deus e de ninguém.
a abundância de nada é um viveiro
a busca que se faz nada contém,
mas é em simultâneo casa e mãe.
Não sei se serei eu próprio essa ribeira
por vezes no cantar em vale dos fetos,
é uma voz, um som, uma zoeira
abismo de ideias e objectos.
a água canta , cai em desacatos
como a infância que passou por mim,
cai em noites, auroras ,cai em actos
e eu ouço a água a cantar assim.
canta a serra , pinheiros ,macadames
batidos pela terra, pela lama,
canta o vento a soprar e até clama
para que na curva além tu por mim chames
e o nevoeiro esbarra na paisagem
ocultando-me ao longo da viagem.
um socalco, um bater, um afundar,
como se afunda em mim quando se encerra
o ciclo das rochas no meu mar.
refúgio imaginário, sobreponho
poucas opções , peões do meu largar,
queria voltar a ser apenas sonho
e desse sonho rei, mas a brincar.
para apanhar a luz que nos alcança,
gigantesca viagem de chegar,
na mesma onda que se afasta e avança,
o universo algures, qualquer lugar,
onde a lei da matéria é semelhança,
onde ocupamos espaço, a ignorar.
Sereníssimas águas do Tirreno com textura de formas e de cor, nas tuas margens, hoje, contraceno em episódios do meu novo amor. o mar que se prolonga, leve, ameno vem de beijar o meu adamastor, é sal que a vida tem , faz o sereno porto de abrigo e palco acolhedor. águas tranquilas ,barcos avançando, motores á ré a respirar ausências, fios de prata, estreitos, até quando se me acaba o olhar, as turbulências, de cada vez que volto, vou sonhando, sereníssimo mar de transparências.
Percorro o corpo em Nervi , pelo jardim
falo comigo em trechos e sozinho
recolho restos , cravos e por fim
em círculos refaço o meu caminho.
poderia ser outro e ter de mim
um profeta, ou um bruxo, um adivinho,
engodo duma vida e talvez sim,
me escrevesse no ego em pergaminho.
esquilos pequenos simples de viver
que nos seguem nas árvores, pelas nozes,
constróem em si próprios nossas vozes,
instintivo sinal, sobreviver,
a nós porém os reis do parque urbano,
não nos move o instinto, mas o engano
Aqui nasci nesta margem do monte
pouco mais é que água soterrada
ambos matéria de átomos prensada
depósito, sifão e uma fonte.
não pedi a ninguém por que aparecesse
aqui, ali, algures, não há lugares,
talvez sopros dos deuses ,divagares
não como nos convém ou apetece.
dum lado a serra do outro lado o mar,
uma cruz que não vejo e a ilusão
de vir á luz como libertação,
humana virulência neste caos,
intrigante e vazio, onde calhaus
se movem no espaço, frágil lar.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.