Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Perdi dias e noites nos teus braços,
cingi teu corpo fino de ampulheta,
amei com amor feito de embaraços
beijei por ti inteiro, o planeta.
cortei depois o tempo em sonhos idos
que de tua razão têm marca em vida,
alguns que me cinzelam em gemidos
outros que não tem fome mas guarida.
com o sossego intimo, gravados
de sorte que nem sei se são ou não
um acervo comum de condenados
ou um maduro fruto de estação,
o ser é feito de ossos e passados
ressequidos na berma da ilusão.
Ah! como se muda a face e amarga
é a hora que passa e nos destrói,
como se estreita a estrada sendo larga
como é veloz o tempo que se foi !
como é engodo a terra que nos cabe
em repartido ser que nos constrói,
confins do impossível ,uma nave
onde o sol queima o frio nos corrói.
ah, como de cetim teu rosto era
como na pedra uma polida imagem
da Grécia antiga, agora uma severa
sibilina figura de coragem,
um pedaço do tempo que não espera
um subtil horário, o da viagem.
Onde fizemos tanto amor, esqueço,
foram mil os locais, não escolhidos,
porém dos corpos não, desses padeço
presentes que não foram devolvidos.
vinhas do mar , do mar salgado, bruma,
seios que amaciava nos meus dedos,
beijos que a tua boca, talvez espuma
nos acordava íntimos segredos.
sorvíamos calor , passo após passo
tuas coxas ferventes minha cama,
eram próprias de mim , eram pedaço
duma rodilha em cântaro de lama,
éramos todo o mundo e um regaço
de vida , apenas vida e uma chama.
Sentado na coxia, o auditório
discursa, gesticula, nada escuto,
busquei-te Nefertite , provisório,
um cigarro na boca e devoluto.
percorro-te, rainha do Egipto
seguro-me ao teu ceptro de serpente
tua face dourada é o meu mito
vivo em ti ,morta, a vida do presente.
só eu te ouço em segredo quando choras
nos papiros do Nilo , estou sentado,
a palestra mexeu-se pelas dez horas
e tenho meu o teu olhar dourado,
no sarcófago em pó onde tu moras
num tempo já de si eternizado.
O que estou a fazer sobre uma esfera
não euclidiana, ignoro
sinto por mim a força duma espera
e a esperar respiro e me decoro.
não sei por onde corro e me devoro
interrogando o quê e o porquê,
um circulo sem pi , parece, moro
no pouco que é, daquilo que se vê.
num sítio em expansão ou estagnado
onde porém correm rios p´ró mar,
liquido fosso, profundo, marginado
noutro sítio provável que é lugar
e que é por onde me arrasto acompanhado
por quem me quer ou não acompanhar.
Se o mar não existisse, cá e lá
se fosse um estuário o mesmo rio,
se fosse a mesma deusa, yemanjá,
se fosse a mesma neve, o mesmo frio…
se nascer e morrer não fosse herança
e naus e navegantes se trocassem,
se os homens construíssem cada esperança
sobre cada crescessem e amassem…
se então , rindo e gritando liberdade
do si , senhores por todo esse universo,
se a vida fosse assim e a idade
nos apanhasse á esquina dum só verso,
podíamos ser outros, nós, verdade,
não apenas um sonho no deserto.
Tenho saudades do Lago Pian Palu
e das pontes que o cercam, de madeira,
mesmo antes de deixar , errante, nu,
sons de torrentes novas, noite inteira.
tenho saudades do Lago Pian Palu
e dos troncos redondos, na brancura
de bétulas em fila aonde tu
me surgiste em gnose de loucura.
sólido glaciar, sereno, cru,
águas azuis em gélida alvorada,
rompia o sol, abria o meu baú
ao subir a montanha sombreada,
tenho saudades do Lago Pian Palu
quando a neve vier, determinada.
Além, para lá do mar, o pensamento.
ela era isso . é . só um instante.
dado fugaz mas luz. um diamante,
a palavra perfeita e o momento.
passagem casual. o mundo é sorte,
é sorte de quem vai e de quem fica
teimoso e perspicaz , ás vezes norte
elementar para quem identifica .
reparo em cada frase , em instantâneos,
recordações e dores ou alegria,
são pedaços de si, são espontâneos
cantos , como eu escrevo. poesia
e embora não sejamos simultâneos,
leva-me ás vezes á pediatria.
Foi nesta tábua, talvez de metro e dez,
um verdadeiro banco do Buçaco,
que te abracei um dia , alguma vez,
subtraindo o peito ao teu casaco.
o beijo que então demos fez tremer
o horizonte em toda a dimensão,
o primeiro do corpo, o aprender
os afectos que havia em confusão.
assustados, receio de ninguém,
que a razão , sem razão, faziam ver
no banco tosco, humilde, nos contem
o desejo de tanto amanhecer,
quando esse começar , era também,
nossa coisa mais bela de viver.
Oh ondas deste mar qual o navio
que me leva, se fosse viajar,
era num barco á vela pelo estio
em órbita de areia, a bolinar.
tão longe é o areal, que vou remando
pelos limites que são os pinheirais,
mais seco, só deserto, ás vezes quando
se fragilizam sonhos irreais.
desfraldo o pano , de norte vem chegando
vento que sopra leve e temperado,
aperto-me no tórax ,soltando
da memória simbólico passado
e uma gaivota grita e olho e ando
no mar sereno , apenas naufragado.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.