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Correm por mim as horas os minutos
os dias debruçados e assim
errado julgo o caminhar sem fim
na conta destes dias dissolutos
me pergunto e duvido e nada sei
se acaso toco acima um infinito
cego de olhar surdo no próprio atrito
matéria ignorante onde pasmei
e dispo-me no tempo onde atravesso
a ruela vazia aonde moro
mudo de humor caminho do avesso
ás vezes não me sinto nem ignoro
sou um fio perdido do começo
a poeira dum pó, um pêlo, um poro.
Por entre a plateia me sustento
calado ao som final da idade breve
intruso entre os seus gestos me contento
a levitar num sonho calmo e leve
tenho na frente a virgem sem menino
tão nova e loira parece pintura
segurando entre mãos o violino
nele executa e mexe a partitura
e do silêncio vivo que me afaga
na harmonia que se abre ao nada
vejo o regato vir fraga após fraga
fugindo á floresta desnudada
tenho a virgem nos braços abraçada
e um capitel de flocos me embriaga.
Quero calar-me ao dia que amanhece
quero nos versos meus fazer sigilo
fugir da réstea fria que aparece
por sobre um bago rubro de mirtilo
quero calar a voz que de vontade
sonora bate em sombras diluídas
sem fim seguir os trilhos da cidade
abertos entre neves repartidas
para não voltar ao meu lugar cativo
eu quero interromper aqui viagem
deambular silêncio andar furtivo
fazer parte integral de uma paisagem
ser um vazio algures e permissivo
acabar de figura e ser imagem.
De regresso ás ondas,de retorno ao mar
a barcos parados de mareação
sentado na praia estendo o divagar
pelas serenas águas e sonhos que são
O sol vespertino que gira incendeia
a linha quebrada dos montes ao rubro
e eu, o que faço , agarro a sereia
que trago comigo e dela me cubro.
saltita nas pedras no branco da espuma
são gotas de pérola no seu cintilar
num raio de sol batendo na bruma
na gávea dum barco que vai a passar
e a noite cerrada, de parte nenhuma
sorrindo se espalha pelo meu olhar.
Me haveis doado um universo mãe
desconhecido infinito cutelo
uns orifícios um olhar refém
e poiso azul fingido e amarelo
me haveis feito pulmão precipitado
de escamas águas turvas e sapais
presente evoluído dum passado
sem livro de instruções e me deixais
por isso sou um nada como o nada
matéria que materia pensamento
filho de deuses ulterior passada
para me perceber como um jumento
a alma a consciência vão e espada
onde ao vazio levo o meu tormento
Tenho-te mui esquecido na memória
dos factos recentes desinteresse
tanto ás vezes me falta outras parece
que se apagou o verbo e oratória
porque me foge a rima ás vezes penso
ter-se esgotado a pobre inspiração
quando o corpo ma pede a mente não
e dela assim me livro e me dispenso
e porque só a mim e a mais ninguém
faz falta este vazio de interior
não quero prolongar o estertor
em que tal velho escrito se mantem
adeus amigos meus adeus leitor
andando indo vou por aí além.
Tenho por mim acerto e um ajuste
comigo só , eu não festejo a sorte
do meu natal que sem estrela do norte
me traz triste figura num embuste
não creio mas compreendo esta ousadia
de me querer entre deuses comensado
viver do essencial que me foi dado
saber se o absurdo a ver-me havia
de quem herda abdómen ,o bater
falível deste ser circulatório
onde me fui buscar e fiz trazer
um menino Jesus sem oratório
aqui neste calhau para me perder
eu como outro qualquer ambulatório.
Tão frívolos encantos eu sustento
no remo da maré desta passagem
que já marquei de volta outra viagem
quer esteja frio ou assobie o vento.
a gélida carcaça da coragem
onde me aqueço á vida, onde me tento
ainda é dentro calor, aquecimento
o sonho igual á primeira mensagem.
não digo adeus, apenas sigo a estrada
o comboio que vai é o que vem
vou vazio de mim, não levo nada
vou como todos os outros e ninguém,
tenho no bolso um mapa, uma morada
onde por certo há-de morar alguém.
Pergunta aos castanheiros perfilados
da Índia, como estão amarelecidos,
pergunta-lhes por nós de amores proibidos
de afectos perseguidos e trocados
pergunta-lhes na quietude dos espelhos
que a água faz no rubro ocre das cores
onde choraram lágrimas e dores
sombras gigantes dos seus troncos velhos.
pergunta aos castanheiros que este outono
me sucederam terminado o estio
ou aos patos selvagens que sem dono
chapinam a gritar no meio do rio
pergunta-lhes porquê o abandono
a que me dou neste nórdico frio.
Na floresta, a pé, que paz de ausente
e tudo quanto foi substantivo
é oco nu na alma simplesmente
tão livre da grilheta de cativo.
são maduras as folhas e a semente
que se pendura ou cai no chão nativo
é natureza a dispor-se contente
para em breve repor novo vestido
brancos troncos de bétulas despindo
tais penas que voando em desalinho
arrastam outras penas que eu seguindo
bebi com trago doce a velho vinho
tão assente e sereno que sorrindo
só me restam delicias do caminho.
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