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Não é Natal, ou é Natal, quem sabe,
o frio é intenso, o interior tão largo,
que o movimento eterno desta nave
é sonho breve, imaginado, amargo.
não é Natal, ou é Natal, sei lá
o que são deuses vindos do além,
reservo o pensamento no que há
meninos deste tempo , meu também.
acumulam-se os homens pelas ruas
no difícil saber ignorar,
almas atarefadas, passam nuas
olhos que no correr não tem olhar,
e o Natal , se o há, esse flutua
como uma tempestade sobre o mar.
O acidente a ocidente deu-se
e naufragou a armada de um navio
no porão de almas, a ralé perdeu-se,
o mar encheu de gritos o vazio.
na guitarra e no fado adormeceu-se
a revolta ,no choro e desvario,
de sorte e cruz a borrasca rendeu-se
e pedaços da barca vem ao rio.
mistério dos mistérios , desbravados
o mastro e o convés pairam na areia
tábuas e mortos, peixes , desgraçados,
misérias do partir que se receia,
lamentam-se na praia os afogados
que a tempo não fugiram desta teia.
O meu país é mar e comedoiro
fugaz, escancarado e sem sustento
é barril de galego alma de moiro
o meu país é um adiamento.
o meu país é fossa, sumidoiro
a quem lhe quer é brusco e é tormento
espantoso milagre , ancoradoiro
é a deriva que o traz ao vento.
o meu país tem face inacabada
por mão de artista não de timoneiro,
o rumo que persegue é na coutada
de si próprio, carrasco , prisioneiro,
o meu país que é tudo não é nada
não passa de um quintal todo porreiro.
Voltei ao mar, voltamos sempre ao mar
este país sem fim em tudo é sal
e na praia se morre a divagar
na borrasca que varre o areal.
é naufrágio, constante naufragar
é a matriz , é mãe, um matagal
e tanta vez nos mata por matar
que ser órfão, aqui, é o normal.
talvez nos mova toda a insensatez,
seja demais a fome de sofrer,
não que seja este espaço a escassez
mas seja a escassez farto viver
em Portugal ,não para o português
mas para tanto ladrão que anda a comer.
O cigarro entre os dedos, o morrão
a cair sobre folhas de papel
perdidos na bancada , do melão,
três pelos sobre a orla de pincel.
por baixo a Bola, jornal de digestão,
bíblia e lume , suprema inteligência,
parece espelho , porca de nação
tão magra que se vê á transparência.
assim seja, silêncio, afinidade
á louvação do sim, não faz sentido,
numa trincheira aberta á cavidade
como osso sem cão ao cão estendido,
será a vida prisão ou liberdade,
ou apenas ganhar mesmo vencido???
Que vento sopra e neve cai ! Manhã
que se desmonta e veste de cinzento,
da janela observo e me contento
tossindo sob o meu cachecol de lã.
saio, atravesso a rua e num momento
empurro a porta da tabacaria,
cigarros e jornal, lixo, mania,
tóxico da rotina e pensamento.
hoje, segunda feira, clonada,
como és injusta incómoda ciência,
que de mim fazes massa e transparência
fotão, carbono e água destilada,
um morrão no cigarro e paciência,
vento que sopra a neve, cai , mais nada.
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