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Neve de Goteborg que me tens
reduzido ao que sou frio calado
a janela da rua os armazéns
um olhar comedido camuflado
ficou mais noiva a noiva da cidade
no manto que entretanto se refez
árvores que a noite faz claridade
barcos que se recortam no convés
leva-me a floresta os pensamentos
que os percorro só silenciado
neve que cai por mim por uns momentos
a maior parte cai por todo o lado
eu próprio vou calcando movimentos
umas vezes andando outras parado.
O muro que me separa de mim
alto e silencioso ao comprimento
multiplica-se e fecha-se sem fim
volta sempre á origem do meu senso
tem portas que não abrem nem as penso
odorosos perfumes de jasmim
são o que são e soltas no meu lenço
fechadas e seladas são assim
e sei que sendo eu pequeno e breve
como mínima parte do cordão
tomo e deixo as soleiras ledo e leve
como efémera bola de sabão
na pequena existência que se deve
a poeiras e pó de combustão.
Quando me deito e deixo o dia atras
ou espero a noite que não sei quando vem
quero agarrar a luz e ser capaz
de prolongar fotões que me mantém
ocorrem-me á memória coisas fúteis
desenho pela mente corpos beijos
minguar que há do prazer dias inúteis
mistura sem concerto de desejos
clareia em luz um circulo a lua
faixa de luz reciclada aos molhos
rebenta grades que separam a rua
dos teus cabelos brancos dos teus olhos
e sem parar a vida continua
sem arredar o lixo nem os escolhos.
Está frio muito frio o dia é este
gelam os ossos de quem morre e tu
que não pediste para morrer morreste
mais gelada que o dia amargo e cru
escrita do tempo diz que tudo é breve
neste universo em expansão constante
e o que nasce o seu regresso deve
ao vazio e ao nada a todo o instante
está muito frio hoje o dia é peste
que forja o triste adeus nesta partida
reservo a companhia que me deste
nas letras do poema à despedida
sejas matéria escura azul celeste
espera por mim no congelar da vida.
Por entre a plateia me sustento
calado ao som final da idade breve
intruso entre os seus gestos me contento
a levitar num sonho calmo e leve
tenho na frente a virgem sem menino
tão nova e loira parece pintura
segurando entre mãos o violino
nele executa e mexe a partitura
e do silêncio vivo que me afaga
na harmonia que se abre ao nada
vejo o regato vir fraga após fraga
fugindo á floresta desnudada
tenho a virgem nos braços abraçada
e um capitel de flocos me embriaga.
Quero calar-me ao dia que amanhece
quero nos versos meus fazer sigilo
fugir da réstea fria que aparece
por sobre um bago rubro de mirtilo
quero calar a voz que de vontade
sonora bate em sombras diluídas
sem fim seguir os trilhos da cidade
abertos entre neves repartidas
para não voltar ao meu lugar cativo
eu quero interromper aqui viagem
deambular silêncio andar furtivo
fazer parte integral de uma paisagem
ser um vazio algures e permissivo
acabar de figura e ser imagem.
De regresso ás ondas,de retorno ao mar
a barcos parados de mareação
sentado na praia estendo o divagar
pelas serenas águas e sonhos que são
O sol vespertino que gira incendeia
a linha quebrada dos montes ao rubro
e eu, o que faço , agarro a sereia
que trago comigo e dela me cubro.
saltita nas pedras no branco da espuma
são gotas de pérola no seu cintilar
num raio de sol batendo na bruma
na gávea dum barco que vai a passar
e a noite cerrada, de parte nenhuma
sorrindo se espalha pelo meu olhar.
Tenho-te mui esquecido na memória
dos factos recentes desinteresse
tanto ás vezes me falta outras parece
que se apagou o verbo e oratória
porque me foge a rima ás vezes penso
ter-se esgotado a pobre inspiração
quando o corpo ma pede a mente não
e dela assim me livro e me dispenso
e porque só a mim e a mais ninguém
faz falta este vazio de interior
não quero prolongar o estertor
em que tal velho escrito se mantem
adeus amigos meus adeus leitor
andando indo vou por aí além.
Passava a saltitar pulando a rua
em que ali estava eu vendo o seu passo
acendia o meu sol no seu regaço
como se o dia fosse á luz da lua
em aquele minuto de harmonia
quimérica razão no meu mar jónico
explodia de amor amor platónico
a idade que em mim se entontecia
aconteceu que num minuto apenas
deixei de a ver surgir pela manhã
o que esperei foi esperança sempre vã
chovendo em mim dilúvio de mil penas
foi uma historiografia de morenas
faces trigueiras tintas de romã.
Tão frívolos encantos eu sustento
no remo da maré desta passagem
que já marquei de volta outra viagem
quer esteja frio ou assobie o vento.
a gélida carcaça da coragem
onde me aqueço á vida, onde me tento
ainda é dentro calor, aquecimento
o sonho igual á primeira mensagem.
não digo adeus, apenas sigo a estrada
o comboio que vai é o que vem
vou vazio de mim, não levo nada
vou como todos os outros e ninguém,
tenho no bolso um mapa, uma morada
onde por certo há-de morar alguém.
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