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Quando me deito e deixo o dia atras
ou espero a noite que não sei quando vem
quero agarrar a luz e ser capaz
de prolongar fotões que me mantém
ocorrem-me á memória coisas fúteis
desenho pela mente corpos beijos
minguar que há do prazer dias inúteis
mistura sem concerto de desejos
clareia em luz um circulo a lua
faixa de luz reciclada aos molhos
rebenta grades que separam a rua
dos teus cabelos brancos dos teus olhos
e sem parar a vida continua
sem arredar o lixo nem os escolhos.
Está frio muito frio o dia é este
gelam os ossos de quem morre e tu
que não pediste para morrer morreste
mais gelada que o dia amargo e cru
escrita do tempo diz que tudo é breve
neste universo em expansão constante
e o que nasce o seu regresso deve
ao vazio e ao nada a todo o instante
está muito frio hoje o dia é peste
que forja o triste adeus nesta partida
reservo a companhia que me deste
nas letras do poema à despedida
sejas matéria escura azul celeste
espera por mim no congelar da vida.
Sou um tipo danado digo ás vezes
de mim para mim portas atravessadas
não gosto de cenouras nem chineses
e sou silva de nome em papeladas
não tenho sorte ao jogo e dos amores
contra o jargão o dom é impreciso
teimoso resmungão e nos sabores
um curioso autor do improviso
nesta banalidade estabelecida
pela genética herdada dos avós
ancoro o bote ao cais duma partida
e parto sem partir da minha foz
enquanto enrolo o tempo e esta vida
num verso num café calando a voz.
Hoje na madrugada que findou
ouvi os sinos da torre da igreja
pulei do sono onde ainda estou
num terramoto que me fere e beija
depois do áureo e frio amanhecer
deste inverno sedento esfomeado
o que de resto veio a acontecer
foi prosseguir sonhando e acordado
espécie sem horário num vazio
dum caos de pensamento introspecção
na deriva do senso e desafio
ás leis que nos parecem e não são
fixei tarde o sol no pau do fio
metamorfose fresca da razão.
Por entre a plateia me sustento
calado ao som final da idade breve
intruso entre os seus gestos me contento
a levitar num sonho calmo e leve
tenho na frente a virgem sem menino
tão nova e loira parece pintura
segurando entre mãos o violino
nele executa e mexe a partitura
e do silêncio vivo que me afaga
na harmonia que se abre ao nada
vejo o regato vir fraga após fraga
fugindo á floresta desnudada
tenho a virgem nos braços abraçada
e um capitel de flocos me embriaga.
Quero calar-me ao dia que amanhece
quero nos versos meus fazer sigilo
fugir da réstea fria que aparece
por sobre um bago rubro de mirtilo
quero calar a voz que de vontade
sonora bate em sombras diluídas
sem fim seguir os trilhos da cidade
abertos entre neves repartidas
para não voltar ao meu lugar cativo
eu quero interromper aqui viagem
deambular silêncio andar furtivo
fazer parte integral de uma paisagem
ser um vazio algures e permissivo
acabar de figura e ser imagem.
Teus olhos já não são meu pensamento
nem a face redonda, contracção,
tanta distância apenas é momento,
nem dos teus beijos há recordação.
os seios já não são atrevimento,
o corpo curvilíneo sugestão,
o colo que obtive e fui sustento
não é a posse ou gula da paixão.
e o teu olhar de cujas cores em tela
o rosto macerado vai vivendo
não me trás o adeus , não é janela
correu-me pelos dedos, foi morrendo
isolado em flores dentro da cela
que sem grades em mim se foi tecendo.
Sombreei os teus olhos sombreados
como pinturas que de rosto são,
nem sempre como queria , destinados
á loucura da nossa possessão.
remexi o teu corpo numa crença
o que te segredei deusa o ouviu
embebido na chama da pertença
teu colo, ao meu segredo ,mais se uniu
disse-te amor, de instintiva cartilha
em beijos repetidos de prazer
chamei-te de princesa , mãe e filha
chamei-te o que chamei e deve ser
bebendo sobre a taça da partilha
o vinho do teu corpo de mulher.
Não sou pintor de rosas com perfume
como gostavas e te conheci
leve e ligeira, flor de fogo e lume
e procurei a vida assim ,em ti.
porém as coisas são todas correntes
mudáveis como a proa dum navio
que busca rumo em águas imprudentes
e a remar entramos num vazio.
não peço agora ao ignoto vir
que não chegou a ser, coisa nenhuma
em cada porto há barcas a partir
outras que chegam no rasgão da espuma,
tudo é chegar, viver e repetir
as passadas do tempo, uma por uma.
Não me chames aquilo que não sou
poeta, que poesia é que há por mim ?
rimo umas letras porque sou assim
um rimador que nada mais rimou.
morrem também no meu retorno ao fim
breve olvidar de quem aqui passou,
versos, quem os não fez, os não cantou
quando a flor que nasce é um jardim?
não me chames poeta, a poesia
se alguma vez me foi tinta na pena
foi só pelo teu olhar, que não me acena
como acenou ao tempo em que o vivia,
só fui poeta então , por simpatia
e por amar teu rosto de morena.
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