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Neve de Goteborg que me tens
reduzido ao que sou frio calado
a janela da rua os armazéns
um olhar comedido camuflado
ficou mais noiva a noiva da cidade
no manto que entretanto se refez
árvores que a noite faz claridade
barcos que se recortam no convés
leva-me a floresta os pensamentos
que os percorro só silenciado
neve que cai por mim por uns momentos
a maior parte cai por todo o lado
eu próprio vou calcando movimentos
umas vezes andando outras parado.
A cidade são pedras e calçada
velhas e largas a mostrar canais
transeunte perdido entre os demais
vasculhei cores janelas e arcadas
da nudez da sereia mais que usada
cravei uma tuborg a marginais
e visitei Cristiana onde entre os quais
te vi em liberdade pincelada
não tenho rei não vi nem tenho margem
tão enganado como estou sou vida
por ela recusei-me sou viagem
pedaços de chegada e de partida
entre ladrões exerço vadiagem
esse é meu ermo e minha despedida.
Estradas desertas quando volto ao berço
pontes em Roma, Londres ou Paris
numa sala de espera sou um xis
uma fracção que resta, meio ,terço
viajo, viajar é meu sustento
natural e mecânico que a vida
é um guiar sem carta, sem instrumento,
de portas sempre abertas á partida
neste vazio ser, rota global
uns dias são outros são esquecimento
ás vezes estou por ser irracional
outras vezes é na razão que aguento ,
reunindo os haveres tudo é igual
quando as estradas desertas são de vento.
Está frio muito frio o dia é este
gelam os ossos de quem morre e tu
que não pediste para morrer morreste
mais gelada que o dia amargo e cru
escrita do tempo diz que tudo é breve
neste universo em expansão constante
e o que nasce o seu regresso deve
ao vazio e ao nada a todo o instante
está muito frio hoje o dia é peste
que forja o triste adeus nesta partida
reservo a companhia que me deste
nas letras do poema à despedida
sejas matéria escura azul celeste
espera por mim no congelar da vida.
Sou um tipo danado digo ás vezes
de mim para mim portas atravessadas
não gosto de cenouras nem chineses
e sou silva de nome em papeladas
não tenho sorte ao jogo e dos amores
contra o jargão o dom é impreciso
teimoso resmungão e nos sabores
um curioso autor do improviso
nesta banalidade estabelecida
pela genética herdada dos avós
ancoro o bote ao cais duma partida
e parto sem partir da minha foz
enquanto enrolo o tempo e esta vida
num verso num café calando a voz.
Hoje na madrugada que findou
ouvi os sinos da torre da igreja
pulei do sono onde ainda estou
num terramoto que me fere e beija
depois do áureo e frio amanhecer
deste inverno sedento esfomeado
o que de resto veio a acontecer
foi prosseguir sonhando e acordado
espécie sem horário num vazio
dum caos de pensamento introspecção
na deriva do senso e desafio
ás leis que nos parecem e não são
fixei tarde o sol no pau do fio
metamorfose fresca da razão.
Correm por mim as horas os minutos
os dias debruçados e assim
errado julgo o caminhar sem fim
na conta destes dias dissolutos
me pergunto e duvido e nada sei
se acaso toco acima um infinito
cego de olhar surdo no próprio atrito
matéria ignorante onde pasmei
e dispo-me no tempo onde atravesso
a ruela vazia aonde moro
mudo de humor caminho do avesso
ás vezes não me sinto nem ignoro
sou um fio perdido do começo
a poeira dum pó, um pêlo, um poro.
Quero calar-me ao dia que amanhece
quero nos versos meus fazer sigilo
fugir da réstea fria que aparece
por sobre um bago rubro de mirtilo
quero calar a voz que de vontade
sonora bate em sombras diluídas
sem fim seguir os trilhos da cidade
abertos entre neves repartidas
para não voltar ao meu lugar cativo
eu quero interromper aqui viagem
deambular silêncio andar furtivo
fazer parte integral de uma paisagem
ser um vazio algures e permissivo
acabar de figura e ser imagem.
De regresso ás ondas,de retorno ao mar
a barcos parados de mareação
sentado na praia estendo o divagar
pelas serenas águas e sonhos que são
O sol vespertino que gira incendeia
a linha quebrada dos montes ao rubro
e eu, o que faço , agarro a sereia
que trago comigo e dela me cubro.
saltita nas pedras no branco da espuma
são gotas de pérola no seu cintilar
num raio de sol batendo na bruma
na gávea dum barco que vai a passar
e a noite cerrada, de parte nenhuma
sorrindo se espalha pelo meu olhar.
Um soneto para ti, estás tão longe
e não te posso ver nem te falar
prometi-me ao silêncio como monge
rezo por ti mas sem crenças de altar
não tenho um oceano a impedir-me
mas minha companhia é como o pó
navegas entre o ver-me e o fugir-me
perto do telefone, mas estás só.
talvez que mesma rota seja a tua
das que me queixo, herança de te ter,
também estando em casa quero a rua
sobre o calor a ânsia do chover,
almas de lava pela rocha nua
na amarga rota do sobreviver.
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