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Está frio muito frio o dia é este
gelam os ossos de quem morre e tu
que não pediste para morrer morreste
mais gelada que o dia amargo e cru
escrita do tempo diz que tudo é breve
neste universo em expansão constante
e o que nasce o seu regresso deve
ao vazio e ao nada a todo o instante
está muito frio hoje o dia é peste
que forja o triste adeus nesta partida
reservo a companhia que me deste
nas letras do poema à despedida
sejas matéria escura azul celeste
espera por mim no congelar da vida.
Correm por mim as horas os minutos
os dias debruçados e assim
errado julgo o caminhar sem fim
na conta destes dias dissolutos
me pergunto e duvido e nada sei
se acaso toco acima um infinito
cego de olhar surdo no próprio atrito
matéria ignorante onde pasmei
e dispo-me no tempo onde atravesso
a ruela vazia aonde moro
mudo de humor caminho do avesso
ás vezes não me sinto nem ignoro
sou um fio perdido do começo
a poeira dum pó, um pêlo, um poro.
O dia terminou o sol desceu
em rubros tons por sobre o Atlântico
a massa o fez puxar , desapareceu
leveza do silêncio em breve cântico.
aconteceu , longe , pela distância
duma ilusão que o mundo pode ser,
tomba no horizonte desta ânsia
que nos acode á alma sem se ver.
por fim a terra fez-se sol no mar
na gémea luz celeste dum partir,
parte para algures ,nem sempre com voltar
um dia o sol que parte há-de seguir,
quando assim for eu levo o teu olhar
no veio que a negrura há-de sumir.
Já não existe a rua nem o ser
do eu que o teu olhar então fazia,
o tempo destroçou o seu parecer
dentro só restam sombras, agonia.
todo o caminho é feito de paragens,
umas mais cheias outras mais vazias
entre elas, muitas vezes nem imagens
se vislumbram nas agressões dos dias.
abre-as o sonho, é certo, raramente,
para outros patamares que são passado
mas tudo se mudou, tudo é diferente
o teu olhar em mim , está desfocado
embora guarde algures, inconsciente
o entre nós que foi , sonho e pecado.
Volta o luar desta lua de Agosto
trazendo novo tempo do passado,
parece que flui , que põe no rosto
um amanhã do que é imaginado.
reflete no mar que tem por rosto
o cintilar de pérolas, dourado
é seu dançar um fogo d'àgua posto
um beijo que é eterno e adiado.
é na praia que choro, absorvido,
cada raio, sonho que se perdeu
como se fosse a noite um confundido
e frágil dia que não amanheceu,
oceano do sonho apetecido,
luar que na manhã desapareceu.
É na manhã que vem a maré-cheia
é quando alastra a vida nos mangais
e caranguejos correm pela areia
e vem o barco que nunca chega ao cais.
é quando nasce o sol e serpenteia
um tronco, uma canoa aonde vais
e a terra se levanta e incendeia
que te aceno um adeus para nunca mais.
vai-se enfim a maré , vem maresia
deixa passos impressos , são sinais
dum novo alvorecer , renasce o dia
a porta da memória é por onde sais,
dessa mesma manhã que se perdia
na dúvida das coisas mais banais.
Ah! como se muda a face e amarga
é a hora que passa e nos destrói,
como se estreita a estrada sendo larga
como é veloz o tempo que se foi !
como é engodo a terra que nos cabe
em repartido ser que nos constrói,
confins do impossível ,uma nave
onde o sol queima o frio nos corrói.
ah, como de cetim teu rosto era
como na pedra uma polida imagem
da Grécia antiga, agora uma severa
sibilina figura de coragem,
um pedaço do tempo que não espera
um subtil horário, o da viagem.
Vou escrever meu diário sem dias
porque não tenho dias, francamente
escrevo frases secas e vazias
na caneta de tinta, asperamente.
se ao editar um livro, poesias,
o digo errado ,engano consciente,
mais tarde faço provas, agonias
que o meu perfeito estado é de demente.
empilho os livros, são massa abstrata
de frases desconexas seguidas,
numa tábua de tabopan barata
que não revejo em mim, restam perdidas
na total ignorância , coisa chata
inúteis verborreias doutras vidas.
S. Fortunato di Camogli ,tanto
eu te posso rezar como zurzir,
não acredito em teu olhar de santo
nem tu no meu que não te quero ouvir.
S. Fortunato di Camogli enquanto
ando por aí mergulhado em porvir
há entre nós o tácito recanto
comum silêncio para repartir.
se faz inverno o teu claustro é quente
nele me sento para me aquecer
mas vem o verão e frequentemente
busco a frescura do teu entardecer
venho do mar, o porto permanente
meu encontro de sitios e viver.
O fumo do cigarro que não fumo,
imaginado liberta-se em argola
e sobe em espirais, como presumo
na sombra deste banco que me isola.
é primavera e renasce a verdura
em torno da laguna ignorada,
não vem ninguém juntar-se na moldura
nenhum olhar ao meu, no fim do nada.
chega água do colo que é meu berço,
húmido e armazém de teimosia,
cavernas interiores das quais exerço
oficio de viver, biologia,
agarrado a um sonho ou a um verso
fumo que em espiral se distancia.
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