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Não me chames aquilo que não sou
poeta, que poesia é que há por mim ?
rimo umas letras porque sou assim
um rimador que nada mais rimou.
morrem também no meu retorno ao fim
breve olvidar de quem aqui passou,
versos, quem os não fez, os não cantou
quando a flor que nasce é um jardim?
não me chames poeta, a poesia
se alguma vez me foi tinta na pena
foi só pelo teu olhar, que não me acena
como acenou ao tempo em que o vivia,
só fui poeta então , por simpatia
e por amar teu rosto de morena.
Batia o sol na força dos teus braços
teus cabelos soprando o arvoredo
o coração pulsava eram compassos
nosso promíscuo olhar na manhã cedo.
muitos dias paravam no destino
lugar de encontro que se fazia a sós,
não sei se eram o mundo, se o divino
quando nada existia além de nós.
depois perdi os olhos e trancada
a porta aberta ,ela deixou de abrir,
esqueci-a no bater de outra morada
no estranho esplendor doutro sorrir,
mas não posso dizer que não é nada
o que ficou e não pode sair.
O cigarro entre os dedos, o morrão
a cair sobre folhas de papel
perdidos na bancada , do melão,
três pelos sobre a orla de pincel.
por baixo a Bola, jornal de digestão,
bíblia e lume , suprema inteligência,
parece espelho , porca de nação
tão magra que se vê á transparência.
assim seja, silêncio, afinidade
á louvação do sim, não faz sentido,
numa trincheira aberta á cavidade
como osso sem cão ao cão estendido,
será a vida prisão ou liberdade,
ou apenas ganhar mesmo vencido???
Neve em Paris, cai leve , leve e fria
o rubro do bistrô emudeceu,
nas ruas da manhã que se anuncia
passa gente a correr, amanheceu.
cobri o corpo á hora que partia
da minha estrada o tempo que cedeu
neve em Paris, no Verão não sucedia
e foi no verão que tudo aconteceu.
entro no autocarro, o vinte sete,
que me leva abrigado sobre alvura,
passa gente a correr que se intromete
no dia fustigado de espessura,
desço por fim do carro em Chatelet
dobrando á neve a face e a figura.
Onde fizemos tanto amor, esqueço,
foram mil os locais, não escolhidos,
porém dos corpos não, desses padeço
presentes que não foram devolvidos.
vinhas do mar , do mar salgado, bruma,
seios que amaciava nos meus dedos,
beijos que a tua boca, talvez espuma
nos acordava íntimos segredos.
sorvíamos calor , passo após passo
tuas coxas ferventes minha cama,
eram próprias de mim , eram pedaço
duma rodilha em cântaro de lama,
éramos todo o mundo e um regaço
de vida , apenas vida e uma chama.
Ah, se fosse um deus de antigamente
igual a tantos outros que deus fez
cedo voltava ao todo incandescente
num molho de perguntas e porquês
ah, que se a natureza inconsciente
não nos tivesse dado a emoção,
será que a consciência do consciente
seria peça da evolução?
podia a terra até não ser diferente
mas o homem apenas e talvez
não passasse dum símio que emergente
aguardasse no caos a sua vez
um universo insólito , pungente
numa espécie em altura e branca tez
Foi nesta tábua, talvez de metro e dez,
um verdadeiro banco do Buçaco,
que te abracei um dia , alguma vez,
subtraindo o peito ao teu casaco.
o beijo que então demos fez tremer
o horizonte em toda a dimensão,
o primeiro do corpo, o aprender
os afectos que havia em confusão.
assustados, receio de ninguém,
que a razão , sem razão, faziam ver
no banco tosco, humilde, nos contem
o desejo de tanto amanhecer,
quando esse começar , era também,
nossa coisa mais bela de viver.
Oh ondas deste mar qual o navio
que me leva, se fosse viajar,
era num barco á vela pelo estio
em órbita de areia, a bolinar.
tão longe é o areal, que vou remando
pelos limites que são os pinheirais,
mais seco, só deserto, ás vezes quando
se fragilizam sonhos irreais.
desfraldo o pano , de norte vem chegando
vento que sopra leve e temperado,
aperto-me no tórax ,soltando
da memória simbólico passado
e uma gaivota grita e olho e ando
no mar sereno , apenas naufragado.
Hoje, no Porto Antico , que distância
me separa de ti, aqui tão perto,
aqui onde me escondo descoberto
como se fosse o mesmo da infância.
aqui onde me abrigo num concerto
que a vida nos reserva no seu caos
vejo barcos entrar que não são naus
mas gigantes do mar , ou do deserto.
a cidade murmura em circunferência
metade terra outra metade mar,
passeio num dos cais minha insolência
entre partir para nada ou o ficar,
entre a nudez da minha transparência
que já nada mais tem para me enganar.
Os anos passam a imagem fica
impressionada,único momento
da porta que ao abrir identifica
o relicário do velho convento.
nada se fixou , o tempo foi
continuando breve, acontecer
afastou-se de vez e nada doi
arquivado, que não seja esquecer.
o teu chapeu dizia-se chapeau
e em Montrouge estavamos no verão
era tudo diferente do que sou
restos com outros restos, expansão
dum mar extinto que se evaporou
e não deixou herança nem perdão.
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