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Neve de Goteborg que me tens
reduzido ao que sou frio calado
a janela da rua os armazéns
um olhar comedido camuflado
ficou mais noiva a noiva da cidade
no manto que entretanto se refez
árvores que a noite faz claridade
barcos que se recortam no convés
leva-me a floresta os pensamentos
que os percorro só silenciado
neve que cai por mim por uns momentos
a maior parte cai por todo o lado
eu próprio vou calcando movimentos
umas vezes andando outras parado.
A cidade são pedras e calçada
velhas e largas a mostrar canais
transeunte perdido entre os demais
vasculhei cores janelas e arcadas
da nudez da sereia mais que usada
cravei uma tuborg a marginais
e visitei Cristiana onde entre os quais
te vi em liberdade pincelada
não tenho rei não vi nem tenho margem
tão enganado como estou sou vida
por ela recusei-me sou viagem
pedaços de chegada e de partida
entre ladrões exerço vadiagem
esse é meu ermo e minha despedida.
Desta alegria canta a aparência
canta o poeta eterna partitura
a natureza e a manifesta essência
do primeiro vestir de criatura
escreve poeta agita a turbulência
na emotiva peça da loucura
canta as flores e vive a insolvência
da substância amarga da aventura
canta e sublima a voz da primavera
que se refaz seara criativa
canta o sol o perfume a atmosfera
os princípios do acaso que é a vida
canta poeta o sonho e a quimera
que da morte regressa renascida
O muro que me separa de mim
alto e silencioso ao comprimento
multiplica-se e fecha-se sem fim
volta sempre á origem do meu senso
tem portas que não abrem nem as penso
odorosos perfumes de jasmim
são o que são e soltas no meu lenço
fechadas e seladas são assim
e sei que sendo eu pequeno e breve
como mínima parte do cordão
tomo e deixo as soleiras ledo e leve
como efémera bola de sabão
na pequena existência que se deve
a poeiras e pó de combustão.
Abri a porta ao dia entrou o vento
o eclipse foi-se não o li
chegou nevoa tapou o firmamento
e sem luar do tempo me esqueci
eram dez da manhã consentimento
dum olhar sobre as órbitas perdi
do exato lugar o seu momento
á hora que contou abstraí
foi para não ver o sol que me embriaga
berçário do meu sonho tutelar
não sou da luz um filho mas a praga
que qualquer astro rei espalha no ar
particula do fim que aquece e esmaga
o momento fugaz deste lugar.
Quando me deito e deixo o dia atras
ou espero a noite que não sei quando vem
quero agarrar a luz e ser capaz
de prolongar fotões que me mantém
ocorrem-me á memória coisas fúteis
desenho pela mente corpos beijos
minguar que há do prazer dias inúteis
mistura sem concerto de desejos
clareia em luz um circulo a lua
faixa de luz reciclada aos molhos
rebenta grades que separam a rua
dos teus cabelos brancos dos teus olhos
e sem parar a vida continua
sem arredar o lixo nem os escolhos.
Está frio muito frio o dia é este
gelam os ossos de quem morre e tu
que não pediste para morrer morreste
mais gelada que o dia amargo e cru
escrita do tempo diz que tudo é breve
neste universo em expansão constante
e o que nasce o seu regresso deve
ao vazio e ao nada a todo o instante
está muito frio hoje o dia é peste
que forja o triste adeus nesta partida
reservo a companhia que me deste
nas letras do poema à despedida
sejas matéria escura azul celeste
espera por mim no congelar da vida.
Sou um tipo danado digo ás vezes
de mim para mim portas atravessadas
não gosto de cenouras nem chineses
e sou silva de nome em papeladas
não tenho sorte ao jogo e dos amores
contra o jargão o dom é impreciso
teimoso resmungão e nos sabores
um curioso autor do improviso
nesta banalidade estabelecida
pela genética herdada dos avós
ancoro o bote ao cais duma partida
e parto sem partir da minha foz
enquanto enrolo o tempo e esta vida
num verso num café calando a voz.
Hoje na madrugada que findou
ouvi os sinos da torre da igreja
pulei do sono onde ainda estou
num terramoto que me fere e beija
depois do áureo e frio amanhecer
deste inverno sedento esfomeado
o que de resto veio a acontecer
foi prosseguir sonhando e acordado
espécie sem horário num vazio
dum caos de pensamento introspecção
na deriva do senso e desafio
ás leis que nos parecem e não são
fixei tarde o sol no pau do fio
metamorfose fresca da razão.
Correm por mim as horas os minutos
os dias debruçados e assim
errado julgo o caminhar sem fim
na conta destes dias dissolutos
me pergunto e duvido e nada sei
se acaso toco acima um infinito
cego de olhar surdo no próprio atrito
matéria ignorante onde pasmei
e dispo-me no tempo onde atravesso
a ruela vazia aonde moro
mudo de humor caminho do avesso
ás vezes não me sinto nem ignoro
sou um fio perdido do começo
a poeira dum pó, um pêlo, um poro.
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